O Boteco do JB fez este texto incrível sobre as 10 lendas gastronômicas paulistanas. Eu assino embaixo de quase todas.

Mais dez lendas gastronômicas paulistanas

1) Sanduíche de pernil do EstadãoO sujeito sai da ~balada~ de madrugada, chega no balcão mais louco que o Lobão, e pede a especiaria. No outro dia elogia, diz que salvou sua noite, coisa e tal, e por aí se fez a lenda…De fato, a lanchonete tem seu valor. O centro da cidade é difícil, poucos comércios sobrevivem à ele. O Estadão resiste bravamente, vendendo comida razoável, por preço acessível, durante 24 horas. Alguns pratos são bem comíveis, outros sanduíches, como o de calabresa com vinagrete, também. Não é o caso do sanduíche de pernil, tão equilibrado quanto a carreira de Mário Sérgio Pontes de Paiva, o Rei do Gatilho. Um kilo de pernil com pimentão, enfiado de qualquer jeito dentro do pão, que fica obviamente encharcado durante a tentativa invariavelmente frustrada de comê-lo, com direito à uma gozadinha do porco morto à toa, no canto da boca. Nem maconheiro universitário é capaz de produzir comida tão gosmenta. E nem barato é. Então, à merda, com esse sanduíche. Uma vez no Estadão, coma outras coisas, fuja dessa macumba pra turista.

2) Falafel da Malka

Paulistano adora uma portinha escondida, não importa o que seja, nem o que venda. Se tem estórinha por trás da gororoba, melhor ainda. É fora do circuito, funciona apenas em horário comercial? Excelente. Perfeito pra postar ~fótinho no feice~ pro povo da firma, adicionando legendas safra tiozão 87, tais como “vida difícil”, “iniciando os trabalhos” ou qualquer coisa do gênero. A qualidade da comida é o que menos importa. Às vezes a ~viagem~ até vale a pena, caso do Sainte Marie, novo queridinho da mídia, mas que você leu primeiro aqui, há anos. No caso desse falafel, vendido numa portinha, no primeiro andar de uma galeria no Bom Retiro, por uma senhora mal-humorada, o ~passeio~ simplesmente não vale. Salgado massudo, oleoso, com padrão rodoviária de qualidade. Como poucos conhecem, o jeca mérdio adorava destilar suposto conhecimento com bobagens do tipo: “Falafel? Aaaah…Falafel é na Malka.” Não, não é.

3) Pasquale

Outra coisa que paulistano adora é ser atendido por qualquer Zé Escroto da vida. Tem tudo pra virar um clássico folclórico. É o caso desse senhor, sempre disposto a maltratar um cliente. O que tem pra comer? Bons antepastos, admito. Pasquale até que tem a manha de produzir embutidos razoáveis, inclusive. Pra beber, vá de vinho. Carta razoável, embora ultrapassada. Mas, e os pratos, as massas? Tudo absolutamente incomível, um lixão ruim e caro. Com direito à espaguete de marca vagabunda, pré-cozida. Então é lugar pra ir sem fome? Mas restaurante não é pra te restaurar? Nesse caso, não é. Pasquale é lugar pra tomar vinho, comer antepasto qualquer, mandar comida ASIAtica, gastar os tubos e ser xingado pelo dono. Curiosa fórmula de sucesso, entre a jecaiada paulistana.

4) Beirute do Frevinho

Assim como o horroroso bauru do Ponto Chic (São Paulo é o túmulo do sanduíche?), esse beirute merece menção. Nada no Frevinho presta, a começar pela ~coca especial~, mais cara, por ser servida com gelo e limão. Hã? Mas, embora tudo que se venda no lugar seja absolutamente lazarento, nada bate o beirute de rosbife passadíssimo, com salada murcha e queijo ordinário, dentro de pão sírio seco. Não, obrigado.

5) Spot

Existe algo mais cretino que um lugar famoso por ser considerado um clássico “para ver e ser visto”? Existe. A própria comida, servida lá, que lembra bem fast food de praça de alimentação de shopping, onde se escolhe uma opção de grelhadinho com acompanhamento. E dá-lhe salmão, truta, massa super cozida…O horror! O horror. E o preço cobrado não é de fast food não, embora tenha aberto recentemente filial, em shopping. Aliás, nada mais justo. O Spot e o Shopping se merecem, nasceram um para o outro. Que abra outro na Barra da Tijuca, tem tudo a ver. Última observação: A coquetelaria nojenta, com direito à mise in place de Mojitos, provavelmente preparado no começo do turno, pra dar tempo do limão oxidar direitinho.

6) Bar Brahma

Só no coração da besta do Caetano Veloso, pra alguma coisa acontecer, naquela esquina tosca. Puta que pariu. O que salvava justamente era esse bar. Quando comecei a beber, tinha como hábito fechar o Bar Léo e subir até o Brahminha, em cima do Brahma,  onde me iniciei na arte do Gin. Depois descia um pouco, adorava o balcão do salão principal Às vezes, em horário mais noturno, ia direto pro Brahminha, que fechava bem tarde, e tinha entrada ao lado, na Ipiranga. Bons tempos…Hoje o bar lembra o abominável Villa Country, com direito à comandinha individual e muito Red Label. Balcão? Já era. Brahminha? O espaço ainda tá lá, mofando, abandonado, mó dó. Mas o pior de tudo é a entrada, denominada como “Cantinho da MPB”, qualquer merda assim, onde fica um sujeito cantando num banquinho, com violão, repertório que vai de DJ Avan, pra baixo. O Bar Brahma atual é uma das visões mais realistas do Inferno.

7) Pizza

Não temos: queijo, farinha, tomate, manjericão, azeite, calabresa nem aliche. Por que diabos haveríamos de ter pizza decente? Até temos algumas bem comíveis, mas boa mesmo, não trabalhamos. Tem não.

8) Padaria

Maldito seja o processo de bellapaulistanização das padarias da cidade. Isso nós tínhamos, pô! Hoje encontra-se desde azeite trufado até surreal sushi nesses lugares, que mais parecem filiais da Rede Graal. Pãozinho francês? Se achar, terá gosto de condenável pré-mistura. Misto-quente? Melhor não arriscar. Há uma alternativa, na busca do bom pão: afetadíssimas boulingeries, geralmente mais caras que boas. Sou do tempo em que comprar pão era tarefa simples, gostosa e cotidiana.

9) Burger Gourmet

Absolutamente lamentável a idéia de tentar valorizar um produto simples, com a batida denominação “gourmet”. Depois da onda das malditas brigaderias, estamos no auge da tempestade das hamburguerias gourmet. Inferno. Quer um burger decente? Vá ao Twelve, em Pinheiros, ou no Z-Deli, na Haddock Lobo. Ambos tem ótimas batatas, também. E pronto. Menos é mais, caralho.

10) Walter Mancini

A consagração popular das cantinas paulistanas é a maior prova de que sucesso nem sempre vem acompanhado de qualidade. Ivete Sangalo é outro exemplo, mas esse não é o foco do texto. Walter Mancini praticamente comprou a Rua Avanhandava, com exceção do Giggeto, outra bela merda. Sua casa principal, Famiglia Mancini, é um show de horror, como tantas outras da região. Do outro lado da rua tem um “ristoranti” caríssimo, que simplesmente não entrega o que cobra. Ainda tem mais uns dois ou três negócios na rua, até galeria de arte tem. Decorou a rua com luminárias de festa junina e, só por isso, já deveria ser interditado. A única coisa boa é a pizza, mas não dá pra encarar, não. A não ser que queira aguentar breguíssima música ao vivo, coquetelaria de puteiro, carta de vinhos datada e gastar pequena fortuna. Na frente tem a Central 22, onde dá pra mandar uma brotinho sem encheção de saco e ainda ver o zoológico de famílias felizes, tirando fotos, na frente do chafariz imaginário, mas a pizza é cara pra cacete. Ou seja, no final, nada se salva. É o casamento do dinheiro com mal gosto. Se Jânio Da Silva Quadros estivesse vivo, já teria implodido a rua.