“Nada se cria, tudo se copia”, diria Chacrinha. Nós, que trabalhamos com alguma forma de criação, sabemos o quanto referências e ideias passadas são importantes para o desenvolvimento de novas ideias. Mas repare que eu falei em novas ideias…

O sulafricano Neil Blomkamp chamou a atenção do mercado internacional do cinema há alguns anos com sua ficção científica política “Distrito 9”, claramente uma referência ao apartheid. Pois agora, com a injeção de alguma grana hollywoodiana, o rapaz tenta voltar ao cinema político mas acaba se repetindo e tropeçando em algumas armadilhas.

“Elysium” é claramente uma crítica à sociedade capitalista, onde menos gente tem mais e mais gente tem menos. Menos o quê? Tudo. Dinheiro, direitos, qualidade de vida, acesso a itens básicos, conforto, segurança etc. Algo que nós brasileiros sabemos muito bem – a não ser que gostemos de fechar os olhos.

Há, no filme, bilhões de pessoas pobres vivendo numa Terra seca e árida, mais parecida com uma enorme favela saída de “Mad Max”. E bem menos gente vivendo na estratosfera, numa estação espacial que consegue repetir características do Éden. Lá, inclusive, não há morte. A medicina avançou tanto que toda doença, inclusive acidentes que não tenham danificado o cérebro, são curados numa espécie de máquina de tomografia.

Este princípio é digno e belo, mas Blomkamp logo põe tudo a perder. A começar, porque como já havia feito de forma menos comprometedora em “Distrino 9”, ele se esquece de criar algo básico no cinema – principalmente no hollywoodiano – que é o personagem carismático. Matt Damon até consegue imprimir simpatia enquanto seu personagem ainda não foi contaminado pela radiação, mas logo a seguir ele entra numa bad vibe carrancuda que atrapalha em muito o filme.

As repetições de Blomkamp não param por aí. O visual do filme é quase idêntico ao de “Distrito 9”. Fotografia, naves, figurino, direção de arte. Tudo na Terra futurista e apocalíptica de “Elysium” nos faz lembrar os assentamentos alienígenas na África do Sul de “Distrito 9”. Faltou aí uma evolução criativa.

Há também a repetição de momentos biologicamente nojentos. A transformação do protagonista de “Distrito 9” em alienígena – que já era uma repetição de “A Mosca” – dá lugar à transformação de Matt Damon em uma espécie de ciborgue, com direito a aparelhos conectados ao seu cérebro e marcas de sangue nos pontos em que tecnologia se funde à carne humana. Explosões de cabeça e corpos, assim como em “Distrito 9”, também dão as caras por aqui.

Conforme a história se desenvolve, Blomkamp também perde o interesse pela crítica política e cria um corre-corre com tiroteios e brigas sem muito sentido, típicos do Hollywood.

O personagem de Wagner Moura vaga perdido pela tela, ora como vilão, ora como contraponto cômico na história. Mas sempre gritando e sacudindo os cachos. Dizem que o NY Times chamou a atuação dele de fantástica, mas eu prefiro classifica-la como exagerada.

Alice Braga mantém a seriedade preocupante de todos os outros filmes apocalípticos que ela faz. Parece até que os profissionais de casting do cinema só conseguem enxergá-la como uma Ripley do século XXI.

O elenco globalizado, com estes dois brasileiros e o americano Matt Damon, se completa com o mexicano Diego Luna, mais competente que os brasileiros, e o sulafricano Sharlto Copley, que já havia sido protagonista do filme anterior do diretor. Este, apesar dos exageros e do sotaque carregadíssimo, talvez seja o ator que consiga criar o personagem mais interessante na história.

Sou fã de ficção científica, particularmente das apocalípticas, mas “Elysium” nem de longe merece alguma atenção. Cheio de buracos no roteiro, dúvidas que ficam em aberto e perguntas nunca respondidas, o filme perde-se na narrativa culminando num desfecho típico de Hollywood e nada profundo.

Afinal, se o bilionário das armas queria vender seus produtos para Elysium e era capaz de dar um golpe de Estado, por que não o fez em causa própria em vez de tentar beneficiar Jodie Foster? Ficam esta e outras perguntas.