“A Vida Secreta de Walter Mitty” enganou muita gente. Mas não caia nessa, é uma bomba clichê travestida de filme cabeça independente com pitadas de comédia. Estão lá todas as manhas do cinema indie: personagens perdidos que se encontram ao longo da história, timidez e medo de viver, trabalhos sufocantes, ricos de caráter duvidoso, trilha sonora escolhida a dedo, humor sutil, câmera lenta, superação a partir do esforço físico, personagens filosóficos que provocam a virada pessoal do protagonista etc.

Muito antes de Frances Ha correr por Paris, Antoine Doinel já havia mostrado todo o seu talento como atleta. E, reparem, muitos e muitos filmes independentes trazem essa corridela deliciosa que libera o ser pelo suor. Até Rodrigo Santoro testou seus dotes em “Abril Despedaçado”. Mas o assunto aqui não é esse, mas a bomba clichê em “Walter Mitty”.

O filme começa realmente indie. Sem trilha, abusando do silêncio, com um personagem travado e triste em sua casa. Mas exatamente ali, já temos a primeira referência: o close de gastos do personagem parece saído de um longa de Wes Anderson, amigo pessoal de Ben Stiller. Para logo a seguir, vermos pela 459o vez, um personagem tímido ficar com medo de tomar alguma atitude. No caso, piscar para uma garota num site de encontros. É triste, de tão lugar comum.

A partir dali, o diretor Stiller derrama um milkshake de referências do cinema independente, mas totalmente vazio e sem profundidade. Se perde em momentos de pastelão, que mais lembram “Trovão Tropical” do que “A Lula e a Baleia”. Joga insistentemente uma série de frases de autoajuda, ao som de Arcade Fire, David Bowie e tantos outras bandas da mais alta qualidade, enquanto os personagens fazem algum esforço físico em câmera lenta. Não é à toa que o roteiro é de Steve Conrad, o mesmo dos adocicados “À Procura da Felicidade” e “O Sol de Cada Manhã”.

Ao mesmo tempo em que todo esse esforço wanna be indie acontece, mergulhado em sentimentalismo, o filme dá guinadas inesperadas ao pastelão, como na sequência “Benjamin Button”, para logo em seguida voltar à tentativa de se atingir algo mais profundo. Pura esquizofrenia.

No final, você tem a impressão de que está na sua casa, recebendo de alguma tia aqueles emails cheios de frases “inspiradoras”, musiquinha bonita e um caminhão de fotos da National Geographic.

Não tenho dúvidas de que vá inspirar e emocionar muita gente. Não duvido de que irão chorar com a impressão de terem visto um dos melhores filmes do ano. Mas, acredite, é pura beleza estética baseada num recorte desorganizado de uma série de clichês que, exatamente por isso, provocam a sensibilidade das pessoas.

Sorte de quem consegue se emocionar com este filme. Sério mesmo, eu adoraria ter gostado.