Martin Scorsese é um mestre.  Dos grandes. E apesar de não ter mais as ideias ousadas e polêmicas de seus primeiros filmes, encontramos aqui uma maturidade e um conhecimento profundo da linguagem e da narrativa. Que já fazem parte da carreira do diretor há alguns anos.

Ele chega neste filme à sua 5a colaboração com o ator Leonardo DiCaprio, o novo Robert DeNiro da vida do diretor – dos 5 longas de Martin e Leo, apenas “Ilha do Medo” não foi indicado ao Oscar de Melhor Filme.

Para contar a absurda história de “Cabo do Medo”, lá nos anos 90, Scorsese trabalhou com absurdos: uma atuação carregada de Robert DeNiro, uma trilha pesada de Bernard Herrman e movimentos e ângulos de câmera malucos. Para contar uma história cheia de excessos em “O Lobo de Wall Street”, apelou para uma série excessiva de absurdos: de drogas, de festas, de horas de duração, de humor ácido, de situações ridículas etc.

Tudo aqui beira propositadamente ao ridículo. Tudo é excessivo. Das loucuras narradas pelo personagem, à caracterização de cada um que pinta na tela, das locações irreais, até a fotografia de Rodrigo Prieto – que, aliás, lá em 2005, quando eu trabalhava em Chicago, tinha um bom rolo de diretor de comerciais.

É como se toda a loucura vivida em Wall Street lá nos anos 80 fosse tão irreal quanto o dinheiro que eles geravam para os clientes. Puro papel. Por isso, o filme é praticamente inteiro irrealista. E é daí que vem a coragem e o humor da obra. Como diz o personagem de DiCaprio, o dinheiro é sua verdadeira droga. E é o dinheiro que torna a vida dele irreal e absurda.

Nessa toada, ele joga lagostas em cima de agentes do FBI, compra um iate que mais parece um navio, joga literalmente dinheiro no lixo, atira anões em alvo, toma todos os tipos de drogas, enfrenta uma tempestade no Mar Mediterrâneo, entre muitas outras loucuras.

Por tudo isso, esta é, com certeza, a primeira comédia de Martin Scorsese. E, só pela cena de DiCaprio drogado tentando chegar ao carro já se pode dizer que ele manejou o gênero com maestria.

Em alguns momentos, o filme nos faz lembrar outros trabalhos diretor, como “Os Bons Companheiros” e, principalmente, “Cassino”. Até a atuação de DiCaprio no telefone do Clube, pouco antes de ficar chapadão, me lembrou DeNiro.

Na noite anterior de ver “O Lobo”, eu estava revendo “Foi Apenas Um Sonho/Revolutionary Road”, filmaço de Sam Mendes com DiCaprio e Winslet. E eu tinha ficado me perguntando por que diabos não tinham dado o Oscar ao Leo – ele sequer foi indicado. Na minha visão, aquela era uma das melhores atuações do ator. Não mais. Em “O Lobo”, DiCaprio atinge a maturidade que vinha sendo costurada nos últimos anos – trabalhou com Scorsese, Woody Allen, Tarantino, Clint Eastwood, Christopher Nolan, Bazz Lurhman. Este é o maior trabalho da carreira do ator, alternando com maestria entre o humor, a comédia e o romance. Entre o sarcástico e o irônico.

Jonah Hill é um belíssimo coadjuvante, como já havíamos visto no simpático Moneyball. Aqui, ele faz um contrapeso desastrado, descontrolado e, em alguns momentos, triste. Eu diria até que ele é uma espécie de Joe Pesci às avessas, outro parceiro comum de Scorsese.

Mathew McConaughey, em papel pequeno mas importante, também brilha. O mais engraçado é que ele é um dos mais cotados para tirar a estatueta do Oscar das mãos de DiCaprio, mas por outro longa-metragem.

Discordo totalmente da visão de muitos de que este filme glorifica a picaretagem megalomaníaca do personagem. Não, ele se diverte com isso, com certeza. Mas não glorifica. O tempo inteiro temos uma ironia e um sarcasmo. O tempo inteiro – sejam nos falsos chromakeys, seja no roteiro – somos lembrados que aquilo é tudo uma irrealidade comprada pela grana. “Você nem está prestando atenção mesmo”, provoca DiCaprio falando diretamente com o espectador. É muito mais uma crítica à esse universo e aos absurdos do capitalismo do que uma ode. Lembrou-me, inclusive, uma frase recente do presidente uruguaio: “Pobres são aqueles que precisam de muito para viver, esses são os verdadeiros pobres, eu tenho o suficiente”. É isso que vemos na tela: uma riqueza de bens que gera uma pobreza de valores.

Talvez o que tenha me feito gostar mais desta visão do mercado financeiro do que às de Oliver Stone (“Wall Street”), David Cronenberg (“Cosmópolis”) e Costa-Gravas (“O Capital”), seja o fato de colocar o corretor como um ser humano, e não como um bandido sem alma. Tudo que o personagem de DiCaprio quer aqui é se divertir e se sentir vivo. Ou seja, quer viver essa loucura que só o dinheiro é capaz de inventar.

Ao lado do documentário “Inside Job” e da ficção “Margin Call”, este “O Lobo” fecha uma boa trilogia recente sobre o mercado financeiro.

Uma curiosidade, ou uma coincidência, apontada pelo Alexandre “Scott” Peregrino: