Foi o que uma amiga minha ouviu há quase dois anos, quando decidiu abandonar o Brasil, muito antes dessa modinha que parece ter invadido o mercado publicitário. Apesar da carinha de 22, ela estava com 29 anos. Vivia o que se espera – e se deseja – para a virada dos 30: um baita emprego em uma puta empresa famosa e promissora, um apartamento só dela decorado com amor e criatividade, amigos de verdade – aqueles que valem a pena – e um ótimo salário – daqueles que a gente precisa. Tinha sucesso profissional e estabilidade. Além, como ela mesma falou, daquela falsa sensação de liberdade que vem com tudo isso.
“Você só pode estar maluca”, foi o que ouviu antes de escutar o piloto do avião anunciando a partida para o outro lado do mundo. Onde ela não tinha casa, família, amigos, ninguém. Um emprego dos sonhos na mesma empresa a esperava por lá, é verdade, mas não é só disso que a gente vive, né? Mas ela levava coragem. Muita coragem.
Pois a garota ficou por lá exatos 365 dias. No último deles, encaminhou um email para o chefe oficializando a demissão.
“Você só pode estar maluca”, foi o que ouviu mais uma vez. Afinal, ela morava num baita bairro legal, com shopping, praça gastronômica (esqueça as de São Paulo, visualize uma realmente bacana) e até um parque que eu usei muito quando estive por lá, a apenas um elevador de distância do apartamento. Morava numa das cidades mais bonitas do mundo, num dos países mais seguros e divertidos do planeta. Estava numa carreira ascendente na empresa, tinha um belo salário em dólar e até havia encontrado o amor por lá. Mas, vejam só, não estava feliz.
“Você só pode estar maluca”, foi o que ouviu quando disse que se sentia assim. Com tudo isso nas mãos, ela era obrigada a ser feliz, não é mesmo? É isso que a gente aprende, pelo menos. Tantas pessoas lutam a vida inteira para conquistar o que ela tinha. Ora, mas ela era esperta. Sabia que tudo isso não bastava para ser feliz. Na verdade, depois de ter tudo isso, descobriu que não bastava para ser feliz.
Parênteses. Claro que ela foi feliz por lá. Teve momentos de felicidade. Mas não era realmente feliz. Sabe quando a gente deita na cama à noite para dormir? Ou quando o alarme toca pela manhã? Então. É aí que a gente descobre se está ou não feliz. Digo isso porque já vivi os dois lados. O feliz e o infeliz. Estes devem ser seus dois termômetros: a hora de dormir e a hora de acordar.
Mas aquele ano que ela viveu por lá foi importante para descobrir ainda mais. Descobrir o quanto ela era especial e capaz de ir atrás do que queria. Nós, amigos dela, já sabíamos disso, claro. Mas ela precisava despertar isso dentro dela. Sozinha. Precisava se descobrir. Se a garota fazia bem e era muito bem paga por um trabalho que não trazia um sorriso sequer no coração, imagine quando ela colocasse amor e dedicação em algo que ela realmente gostasse?
Demissão pedida, ela decidiu voltar ao Brasil. Mas não sem antes passar 105 dias pela Ásia, visitando aqueles lugares que alguns passam anos e anos para botar os pés. Ou lugares que só existem nos sonhos da maioria.
“Você só pode estar maluca”, ouviu mais uma vez. Afinal, depois de pedir demissão, ela ainda iria gastar todo o dinheiro em viagem?
Pois os 105 dias terminaram. E ela voltou. Mais madura, mais experiente, mas, principalmente, mais autoconfiante e feliz. Precisou ir até o outro lado do mundo para encontrar a si mesma. E, cá está ela, sem crachá de empresa aos 31 anos, pronta para prestar vestibular para fazer um novo curso e seguir uma nova carreira. Aquela que ela descobriu ser sua paixão. “Você só pode estar maluca”, tem escutado.
Pode ser que ela mude de ideia mais tarde. Pode ser que abandone a faculdade, ou troque de carreira depois de formada. Claro que vão dizer que ela só pode estar maluca. Vão mesmo. Mas o que importa? Ela pelo menos está vivendo, experimentando, se descobrindo. Não é para isso que estamos aqui? Quem é o maluco? Ela ou quem aguenta 30, 35 anos de um trabalho infeliz em troca de um belo salário? Como disse Mujica, a gente troca as horas de nossas vidas por dinheiro e, com ele, compra tudo que queremos. Mas a única coisa que o dinheiro não compra são… as horas de nossas vidas. Por isso, gastemos cada um dos segundos com sobriedade. Eles não irão voltar nunca.
É fazendo o que gostamos e com alegria e amor que conquistamos a verdadeira liberdade. Aquela que sentimos deitados na cama, antes de dormir, ou quando o alarme toca, ao acordarmos.
E, cá entre nós, está muito claro para mim que a garota está pronta para escrever um livro de sucesso. Desses que vão pagar a faculdade dela e um novo apartamento decorado com amor e criatividade. Tudo graças às decisões malucas que tomou.
Parênteses dois. Dia desses vi uma propaganda do Canal Futura, que mostra Charles Darwin recebendo uma bela proposta salarial e decidindo abandonar o projeto de rodar o mundo. Pense nisso antes de voltar para a história de minha amiga, no parágrafo abaixo. Juro que chegamos ao final.
Ah, você dirá que ela deveria estar investindo numa carreira, para quem sabe um dia ter um daqueles apartamentos legais, ou empregos dos sonhos, para que uma vez por ano tire férias para aqueles lugares paradisíacos da Ásia… Não, se você leu o texto, não dirá isso.
Pois, minha amiga, seja bem vinda de volta. Seja bem vinda de volta, sua maluca. Prefiro a companhia dos doidos do que dos sãos que nunca vão me surpreender ou inspirar. Você fez falta.