Eu costumava vir de Santos ou Jundiaí, duas cidades em que morei quando criança, para fazer exames de sangue ou me consultar com dentistas e médicos de São Paulo, sabe-se lá porque. Lembro que eu tinha medo do gigantismo da capital. Quando minha mãe estacionava na esquina do consultório, eu tinha medo de caminhar sem ela até o médico. Muitos carros, muito barulho, calçada estreita.
Quando me mudei para cá, aos 17 anos, tinha medo de pegar os dois ônibus para a faculdade, medo de andar nos quarteirões em volta do prédio onde morávamos, medo de estacionar o carro longe do meu destino e ter de cruzar ruas a pé até ele.
Caminhar não era paulistano. Não era fácil. Não era prazeiroso.
Faz poucas semanas, estava numa festa na Casa Amarela, ocupação na rua da Consolação, e decidimos ir até a Praça das Artes, no Vale do Anhangabaú. Fomos andando. Passamos pela Roosevelt, pela Biblioteca Mário de Andrade, pelo Teatro Municipal, pelo Cine Marrocos. E me perguntei por que achava que seria longe. Por que achava que seria perigoso.
Não foi.
São Paulo está mais livre e mais aberta, não há dúvidas. Quem vem frequentando a cidade nos anos recentes tem certeza disso. E esse movimento não pode parar.
São Paulo não pode parar de abrir suas ruas para além dos carros que cortam as veias da cidade com a pressa da rotina e que invadem as calçadas para se isolarem nas garagens das gaiolas onde moramos, trabalhamos ou nos divertimos.
São Paulo não pode parar de criar festas, eventos, parklets, praças e parques que nos tiram do banco acolchoado dos automóveis e nos colocam ao ar livre. Quem já sentou numa cadeira de praia da Praça dos Arcos numa tarde de sábado sabe do que estou falando.
São Paulo não pode parar de convidar pessoas a irem para as ruas, visitarem museus, bares, restaurantes e exposições sem precisarem dos valets ou estacionamentos. Quem já frequentou alguma festa pública e aberta no Parque da Luz, na frente do CCBB ou do Teatro Municipal, sabe do que estou falando.
São Paulo não pode parar de se voltar às pessoas, com mais espaço para pedestres e ciclistas e menos para carros. Quem já pedalou na Paulista, na Faria Lima, na França Pinto ou mesmo na Brigadeiro Luís Antonio sabe do que estou falando.
Alguns paulistanos querem a cidade de volta. Querem se reapropriar de um espaço que um dia já foi deles, mas que foi dado de bandeja a carros e asfaltos, que destruíram as paisagens das fotos antigas do começo do século XX.
Obra é progresso. Em especial pontes, túneis e avenidas. De preferência, só para carros. Que cidade era essa que não nos convidava a caminhar ou pedalar? Que cidade era essa que usava o futuro ou o progresso como argumentos para nos retirar das ruas e nos isolar cada vez mais em classe sociais distintas e segregadas?
Que medo é esse da integração e interação do diferente?
São Paulo não pode parar de se tornar mais humana e convidativa. Não pode parar de querer ser o que lá no passado nasceu para ser. A nossa casa.
São Paulo não pode parar de trilhar o longo e difícil caminho de voltar a ser uma cidade de pessoas, não de veículos.
Ademar de Barros, que sempre esteve errado, mal sabia que estava certo ao cunhar esta frase famosa. São Paulo não pode parar. Porque tem pressa de voltar a ser a cidade onde viemos trabalhar e “vencer na vida”, mas mais do que isso, onde viemos viver nossos anos mais produtivos e criativos, enquanto elementos sociais.
São Paulo não pode parar no trânsito. Não pode parar no tempo. Não pode deixar de avançar. De retomar suas calçadas e espaços públicos, que um dia foram dados a veículos sob o argumento da pressa e do progresso, mas que só alimentaram raiva e ódio por se viver numa metrópole nada humana.
São Paulo tem arte e criatividade suficiente para superar a falta de praia, de paisagens ou da natureza que um dia já teve, mas que foi destruída. São Paulo quer gritar e respirar, quer cantar e dançar, São Paulo quer caminhar e produzir muito mais que congestionamentos, poluição e buzinas.
São Paulo não pode e não vai parar.