O ano de 2014 foi de muito trabalho pra mim e um filmaço brasileiro acabou passando despercebido. Graças à Mari Bento que me indicou recentemente finalmente vi “Casa Grande” e, acreditem, é dos melhores filmes nacionais dos últimos anos. E qual não foi meu choque ao notar as semelhanças entre ele e “Que Horas Ela Volta?”.
Pesquisando sobre os dois filmes, vi que os próprios diretores declararam que realmente são muito parecidos, mas enquanto “Casa Grande” traz uma visão da sala, “Que Horas Ela Volta?” faz um retrato a partir da cozinha. Um tem o olhar do patrão, o outro da doméstica. O que os torna uma obra só, dividida em dois volumes e essencial para entendermos o que é – ou o que foi – o Brasil recente.
Os dois longas mostram a intensa luta de classes no Brasil, acirrada nos últimos anos por um governo teoricamente de centro-esquerda que implementou (ou intensificou) programas sociais. Este tema é retratado nos dois filmes, sempre visto de forma positiva. Em “Casa Grande”, a defesa dos programas sociais chega a ser verbalizada por alguns personagens, como a professora do São Bento e a namoradinha do personagem principal, Jean, de forma quase didática.
“Casa Grande” retrata a falência de uma família de classe AAA do Rio de Janeiro, depois do desastre das ações de Eike Batista na Bolsa. Os pais procuram ocultar a realidade dos filhos, que vivem em contato com gente de outras classes, como a doméstica, a cozinheira, o motorista, a namoradinha e colegas da escola.
“Que Horas Ela Volta?” mostra a ascenção social (financeira e intelectual) de uma filha de doméstica que vai morar com a mãe em São Paulo para prestar vestibular. Ela é o novo Brasil – esse que está em risco com a crise atual.
Um mostra o declínio de uma classe que sempre reinou ilesa, enquanto o outro mostra a ascenção de outra classe que sempre sofreu indefesa. Para tanto, “Casa Grande” opta mais pelo drama psicológico enquanto “Que Horas Ela Volta” escolhe tons de humor para tratar do mesmo assunto.
Para o público médio, o filme com a Regina Casé é de longe mais atrativo e divertido. Mas cinematograficamente achei “Casa Grande” mais coeso, bem filmado e amarrado. Marcello Novaes, como o pai falido, está surpreendentemente perfeito. Não é um filme hollywoodiano como um “Cidade de Deus” ou “Tropa de Elite”, nem experimental como um “Lavoura Arcaica” ou “Amarelo Manga”, mas é um marco do cinema nacional dos últimos anos.
A notícia boa é que ambos estão no NOW, de graça, para serem vistos em sequência e gerar uma bela e necessária discussão sobre a sociedade que queremos para o nosso país nos próximos anos.