Por muito tempo, o Morumbi foi o grande palco de shows de São Paulo. Vi de tudo ali: Paul McCartney, U2 duas vezes, Roger Waters duas vezes, Bon Jovi, Pearl Jam, Lady Gaga, Madonna, Coldplay, entre tantos outros. Verdade que de vez em nunca o lugar rivalizava com o Anhembi, pior som da cidade, e o Pacaembu, banido pela vizinhança incomodada. Mas era o grande palco dos grandes shows de São Paulo.

 

Pois eu tinha esquecido como é duro ver um show ali. Como somos mal tratados e sofremos para ver um espetáculo pelo qual pagamos muito caro. E a gente até achava isso normal antes. É que agora estamos mal (ou, bem) acostumados.

 

Porque nos últimos tempos surgiu o moderno Allianz Parque ali na Pompéia. Vi três shows lá: Paul McCartney, Muse e Katy Perry. E me desacostumei ao Morumbi. Porque no novo estádio tudo é fácil. Na primeira vez, fui de carro. Parei num estacionamento bem perto a preço muito justo. Nas outras vezes, fui e voltei de Metrô, com estação a apenas 10, 15 minutos de caminhada. Perfeito. E nunca peguei filas. É tudo muito fácil, tanto para entrar quanto para sair. No show do Muse, por exemplo, saímos de lá e fomos pra Praça Roosevelt beber num boteco e curtir a noite de sábado. Ontem, no Morumbi, planejamos um temaki após o show. Temaki às duas da manhã de uma quarta-feira?

 

Foi um inferno. A cidade estava caótica depois de um dia inteiro de chuvas e 70 mil pessoas tentavam chegar ao estádio por um bairro absolutamente sem estrutura. A construção do Morumbi, o palco dos espetáculos, é uma afronta ao urbanismo e ao planejamento. Jamais deveria ter sido permitido. Ou, ao menos hoje, deveriam ser proibidos grandes shows ali. Ainda mais com a confortável existência do Allianz Parque.

 

Filas enormes para entrar e sair nos colocam como gado rumo ao abate. A sensação é exatamente esta. E gente ao redor se estressa, grita, reclama, briga. Toda a diversão e alegria são perdidas nessa saída selvagem e desrespeitosa. São poucas e estreitas entradas que nos jogam a corredores apertados com poucas saídas para o gramado. No fim do show, tudo é ainda mais difícil, porque todo mundo sai ao mesmo tempo e é insuportável. Ontem, fui jogado na saída para um corredor que servia de estacionamento para ambulâncias e carros da diretoria. Absurdo. Nosso caminho se estreitava entre Mercedez e Land Rovers com motoristas dentro que olhavam assustados para a massa espremida que tentava sair. Qualquer confusão, qualquer problema, qualquer incêndio, causará um estrago enorme num show como o de ontem. A boate Kiss será fichinha.

 

Para sair do caríssimo estacionamento, uma garagem de uma casa qualquer, tive de lidar com carros dando meio volta, subindo em calçadas, gritando, buzinando. Um deles inclusive bateu no meu, mas eu nem desci para olhar. Estava praticando o budismo. Não valia a pena sofrer.

 

E pensar que o governador Alckmin prometeu o Metrô ali para 2014 e dois anos depois metade dessa obra do Monotrilho está superfaturada, digo, parada, enquanto a outra metade, exatamente a que chegaria ao estádio está sem previsão de começar. Dizem, aliás, que talvez venha a ser cancelada.

 

Shows no Morumbi sempre foram uma afronta à civilidade, ao urbanismo e à qualidade de vida. É que antes não tínhamos parâmetros, então aceitávamos. Que implodam aquele estádio! Não é normal passar pelo que passamos. Não devemos aceitar. Não devemos nos confortar com a idade do estádio e a falta de planejamento da cidade. Não!

 

Apesar disso tudo, tive duas horas incríveis na companhia dos bons velhinhos dos Stones. Eu havia visto os rapazes apenas uma vez ao vivo, há 10 anos, em Copacabana no Rio. Como foi bom reencontrá-los ontem em plena forma, dedicados, concentrados e dispostos a entregar um belíssimo show de rock.

 

Me sinto agradecido por já ter visto e sentido a presença de quatro grandes ícones da música: os Stones, Paul, Iggy Pop e Morrissey. Agradecido de verdade. A vida quis que eu nunca visse os Beatles reunidos, ou George Harrison solo, ou Freddy Mercury, ou Bowie. Faz parte. Mas me sinto agradecido pelo que tenho.

 

Quem já viu um show dos Stones, quem já viu o Mick saltitando no palco feito uma lagartixa, quem já viu qualquer espetáculo de um ícone da música, sabe o que é a energia que eles emanam, sabem o que é aquela luz que vem não dos refletores, mas deles mesmos, capaz de hipnotizar 70 mil fãs enlouquecidos.

 

Foi um show histórico, para guardar na memória, em que a “magnética agradecida se encantava”.

 

 

Setlist
1. Start Me Up
2. It’s Only Rock ‘n’ Roll (But I Like It)
3. Tumbling Dice
3. Out of Control
5. Bitch
6. Beast of Burden
7. Worried About You
8. Paint It Black
9. Honky Tonk Women
10. You Got the Silver
11. Happy
12. Midnight Rambler
13. Miss You
14. Gimme Shelter
15. Brown Sugar
16. Sympathy for the Devil
17. Jumpin’ Jack Flash
Bis
18. You Can’t Always Get What You Want
19. (I Can’t Get No) Satisfaction