E no fim da noite os Oscars foram todos para… quem mereceu. Mas entenda por merecimento o significado que a Academia dá à palavra: não é necessariamente quem realmente teve mais qualidade, mas quem está num momento bom para a indústria ou teve uma carreira muito boa para os cofres dos estúdios. Mais ou menos por aí. De todos os modos, foi talvez a premiação mais divertida de se ver dos últimos anos, pelas surpresas, pela pulverização dos prêmios e pela Glória “Não vi” Pires. Bacana.

 

“Mad Max”, que revitalizou o cinema de ação no ano passado com uma montanha-russa de experiências e uso inteligente dos efeitos especiais, saiu com o maior número de estatuetas da noite, seis. Todas técnicas, porque afinal, um filme de ação só pode ganhar nelas, segundo a Academia. “O Regresso”, antes tido como grande favorito, terminou com apenas três: fotografia (merecida), ator (conjunto da obra) e diretor (maestro da sinfonia do caos). “Spotlight” vem mais consagrado em seguida com duas principais: Melhor Filme e Melhor Roteiro Original. Os demais filmes da noite que foram premiados terminaram com apenas uma estatueta.

 

Um adendo. Como já falei antes, acho “O Regresso” muito fraco. Uma mistura clichê de “Dança Com Lobos”, “The Edge – No Limite” e a fotografia de “Árvore da Vida”. Além disso, veja o vídeo abaixo e entenda de onde veio a inspiração de Iñarritu… Uma homenagem a Tarkovsky? Na boa, muito igual. Melhor Diretor???

 

Pois bem. “Spotlight” começou a temporada de premiações como favorito a Melhor Filme, não que fosse de longe o melhor longa, mas no geral, era o que apresentava mais coesão e qualidade artística. Era meu preferido entre os indicados (https://daguitorodrigues.com/2016/01/12/spotlight-que-falta-faz-o-cinema-de-qualidade/). Mas a balela “O Regresso” de repente saiu enganando, digo, ganhando vários prêmios e tomou a dianteira. Nas últimas semanas o apenas bom “A Grande Aposta” começou a crescer, num claro movimento de que a indústria não estava confortável em consagrar o filme de Iñarritu, mas no último sábado “Spotlight” venceu o Spirit e se consagrou no domingo na noite do Oscar. Eu, particularmente, acho que “Steve Jobs”, “Ex Machina” e “Divertida Mente”, por exemplo, eram filmes melhores que sequer foram indicados a Melhor Filme, por diferentes motivos, entre eles, porque a Academia torce o nariz para ficção científica e animação para os prêmios principais e porque “Steve Jobs” foi um zero à esquerda nas bilheterias.

 

A categoria de direção estava mesmo em aberto. Nomes de peso como Ridley Scott, Steven Spielberg, Quentin Tarantino e Danny Boyle desapareceram entre os cinco indicados, surgindo apenas nomes novos. Premiar o diretor de “Spotlight” poderia ser merecido, mas a direção dele é tão delicada, sucinta e precisa que é quase imperceptível para um olhar mais leigo como o da maioria dos milhares de atores votantes pela Academia. Neste caminho, o virtuosismo de George Miller por “Mad Max” e de Iñarritu por “O Regresso” brilhavam mais os olhos. Mas o primeiro, por ser um blockbuster de ação, caiu por terra. Já o segundo, por ser um filme travestido de arte, tinha a cara do prêmio. Decisão óbvia entregar para Iñarritu, mesmo dando a ele a honra de ter duas estatuetas SEGUIDAS, enquanto Scorcese dorme em casa com apenas uma, Coppola também com apenas uma de diretor e tantos nomes históricos como Kubrick, Hitchcock, Altman, Welles, Bergman, Almodóvar, Fellini e Chaplin zeraram na categoria em suas carreiras. Mas sabemos que a vida não é justa, não é? Palmas para Iñarritu e para o México que, pelo TERCEIRO ano consecutivo, vence na categoria de Melhor Diretor.

 

Leo DiCaprio, a grande barbada da noite, finalmente levou seu Oscar, mais pelo conjunto da obra do que pela interpretação em si. É consenso que sua atuação por “O Lobo de Wall Street” ou por “J. Edgard” eram mais merecedores. Mas no primeiro caso ele foi preterido pela decisão da Academia de premiar a volta por cima de Mathew McGonaughey, ator que quase foi astro no meio dos anos 90 e acabou levando a carreira para comédias românticas de baixa qualidade. Quem lembra de “Clube de Compras Dallas”? Já no segundo caso, “J. Edgard”, DiCaprio sequer foi indicado ao Oscar. Claro que a força das interpretações de Bryan Cranston por “Trumbo” e “Michael Fassbender” por “Steve Jobs” eram mais merecedoras na noite de ontem, mas era a hora da indústria fazer as pazes com DiCaprio, que tantos dólares rendeu aos cofres dos estúdios mesmo buscando quase sempre a qualidade cinematográfica, trabalhando com diretores do quilate de Scorcese, Tarantino, Luhrman, Eastwood, Nolan, Spielberg e Scott. Era a vez dele e foi legal de ver. A gente gosta dessas coisas. E eu me diverti vendo a cara de derrotado de Eddie Redmayne, bom ator que vem se envolvendo apenas em filmes caretas “para o Oscar”. Como posso perdoa-lo por ter tirado a estatueta de Michael Keaton (“Birdman”) no ano passado por uma atuação caretuda e em cadeira de rodas? Jamais. Não suporto esta paixão que a Academia tem por sofrimento e hospitais, enquanto grandes atuações do cinema se perdem sem prêmios. Só pra citar: Dustin Hoffman por “Tootsie” e Bill Murray por “Encontros e Desencontros” ou “Feitiço do Tempo”.

 

Entre as mulheres, três interpretações tinham força para vencer. Cate Blanchet por “Carol”, Charlote Rampling por “45 Anos” e Brie Larson por “Quarto de Jack”. A primeira já tem duas estatuetas e com certeza ainda terá alguns bons anos de carreira, com chance de ultrapassar Meryl Streep e quem sabe igualar Katharine Hepburn. Por isso, só voltará a ser premiada toda vez em que for um ponto realmente fora da curva. A segunda é bem mais velha, é raro a academia premiar uma atriz de idade na categoria principal. Além disso, ela deu uma triste declaração logo após as indicações falando sobre racismo contra os brancos. Erro. Já Brie Larson é nome novo e a Academia adora lançar divas, como fez recentemente com Jenniffer Lawrence e tentou faz alguns bons anos com Gwyneth Paltrow. Amy Adams deve ser a próxima, algo que vem se desenhando há alguns anos.

 

Entre os atores coadjuvantes, Stallone vinha ganhando muitos prêmios pelo carinho dos votantes, pela importância de seu nome para os cofres da indústria e pelo afeto que todos temos por ele. É Rocky Balboa, galera! Mas a interpretação do ano entre os indicados, dizem, era mesmo a de Mark Rylance, que eu e você não vimos, afinal, o filme do Spielberg passou despercebido pelos cinemas. Até Mark Ruffalo, por “Spotlight”, vinha forte e merecia mais que Sly – era por quem eu torcia. De certo modo, foi a grande surpresa da noite causando comoção e até constrangimento.

 

Entre as atrizes coadjuvantes, Alicia Vikander era mesmo a favorita pelos mesmos motivos de Brie Larson na categoria principal. Era o nome do ano e uma nova diva, além de estar realmente muito bem. Ela é a verdadeira alma de “Garota Dinamarquesa”. Kate Winslet vinha forte logo atrás, mas não levaria também pelos mesmos motivos de Cate Blanchet como Melhor Atriz e por “Steve Jobs” ter tido fraca bilheteria.

 

“Amy” levar entre os documentários era até óbvio, pela força do nome da cantora no mundo pop e porque o filme é realmente bem interessante de se ver. Por usar vídeos caseiros e pessoais com depoimentos de pessoas próximas, temos uma visão nova de Amy. O documentário de Nina Simone, pra mim, era melhor e mais profundo, mas, convenhamos, infinitamente de menor apelo ao público, não é?

 

A música de 007 sair vencedora foi outra grande surpresa da noite. Mas o filme anterior, Skyfall, que havia levado na categoria também, foi uma das maiores bilheterias do cinema e este atual, Spectre, esbarrou no 1 bilhão de dólares no mundo todo. Como não dar pra ele e premiar, por exemplo, o música que Lady Gaga fez para um documentário ou a música que Anthony and the Johnsons/Anohny também fez para outro documentário? Não dá, não é assim que a Academia funciona. Foi um ano fraco para canções, aceite.

 

Gostei de “Ex Machina” levar pelos efeitos especiais porque, como eu sempre disse, pra mim, a categoria deve premiar quem melhor usou as técnicas pra criar algo realista, ou seja, tornar os efeitos imperceptíveis. Algo que o longa fez muito bem e melhor que qualquer outro indicado. “Mad Max”, por exemplo, é quase um videogame, mesmo tendo obviamente grande qualidade técnica.

 

Um dia a Academia vai olhar para trás e estranhar o Oscar de Direção para Iñarritu por “O Regresso”, como hoje é muito estranho vermos prêmios passados que não fazem o menor sentido. “Operação França” melhor filme em vez de “Laranja Mecânica”? “Rocky” melhor filme em vez de “Taxi Driver”? Robert Redford melhor diretor (“Gente Como a Gente”) em vez de Martin Scorcese (“Touro Indomável”)? “Gandhi” melhor filme em vez de “E.T.”? Roberto Benigni (“A Vida É Bela”) melhor ator em vez de Tom Hanks (“Soldado Ryan”) ou Edward Norton (“Uma Outra História Americana”)? Ang Lee (“As Aventuras de Pi”) melhor diretor em vez de Michael Haneke (“Amor”)? Faz parte da aura do Oscar.

 

De resto, Glória Pires estava infinitamente mais engraçada que Chris Rock, pena que tenha sido por vergonha alheia. Que ideia colocar a atriz para comentar sem checar se ela tinha mesmo visto os filmes. E que ideia ela aceitar se não estava a fim. Talvez tenha sido obrigada, a ver.

 

A festa foi mais corrida e menos cansativa que em anos anteriores. Os discursos – em especial de DiCaprio sobre aquecimento do planeta, de Iñarritu sobre preconceito e de Joe Biden sobre abuso sexual – foram muito bons, interessantes de verdade.

 

Enfim, não foi chato, lento e previsível como sempre é. Esperamos que estes bons ventos soprem também nos próximos anos.

 

Bom, e o placar final, na minha ordem de preferência dos filmes, ficou assim:

 

Legenda:   *****excelente    ****muito bom     ***bom     **ruim     *péssimo

 

Spotlight ***** – 6 indicações, 2 Oscars

Steve Jobs ***** – 2 indicações, 0 Oscars

Ex Machina ***** – 2 indicações, 1 Oscar

Divertida Mente ***** – 2 indicações, 1 Oscar

O Menino e O Mundo ***** – 1 indicação, 0 Oscar

Anomalisa **** – 1 indicação, 0 Oscar

Carol **** – 6 indicações, 0 Oscar

O Quarto de Jack **** – 4 indicações, 1 Oscar

Amy **** – 1 indicação, 1 Oscar

Star Wars **** – 5 indicações, 0 Oscar

Trumbo *** – 1 indicação, 0 Oscar

Sicario *** – 3 indicações, 0 Oscar

A Grande Aposta *** – 5 indicações, 1 Oscar

Mad Max *** – 10 indicações, 6 Oscars

A Garota Dinamarquesa *** – 4 indicações, 1 Oscar

Perdido em Marte *** – 7 indicações, 0 Oscar

Os Oito Odiados *** – 3 indicações, 1 Oscar

Straight Outta Compton ** – 1 indicação, 0 Oscar

O Regresso ** – 12 indicações, 3 Oscars

 

Filmes que não vi:

Ponte de Espiões – 6 indicações, 1 Oscar

Brooklyn – 3 indicações, 0 Oscar

Joy – 1 indicação, 0 Oscar

45 Anos – 1 indicação, 0 Oscar

Creed – 1 indicação, 0 Oscar