O Brasil tem uma série de problemas? Milhões deles. Deveria focar na solução de tais problemas? Óbvio. O fato é que com ou sem Olimpíadas, com ou sem Copa, não é de interesse dos poucos que decidem os rumos do país sanar as dívidas sociais e procurar diminuir a desigualdade. É fato concreto. Uma coisa não anula a outra.
Portanto, se é assim, que o Brasil possa assumir a responsabilidade de um evento da magnitude das Olimpíadas para festejar com o planeta e mostrar também o que temos de melhor. Claro que as obras e a organização envolveram uma série de desvios e superfaturamentos. Foi assim no Rio, assim como em outras cidades olímpicas de primeiro mundo, basta dar um Google. Isso infelizmente faz parte do negócio. Os Jogos Olímpicos, assim como a Copa, são fonte de lucro para empresas e organizações. Se não fosse, não existiriam.
Poderíamos fazer melhor? Não sei. Se as obras públicas – e principalmente as privadas – no país já são feitas na base da gambiarra e do “engana-trouxa” – veja os prédios recém-entregues por empreiteiras e me diga se não são porcamente construídos – por que seria diferente nestes grandes eventos? É uma característica nossa, infelizmente, fazer meia-boca. Não temos de nos contentar com isso, imagina, mas também não devemos viver na ilusão de que poderia ser diferente. Não poderia. Porque nunca é.
Me incomoda a campanha com complexo de vira-latas que público e mídia fazem de nós mesmos. A expectativa hoje é pelos memes do que vai dar errado. Me incomoda, mas também não posso lutar contra isso. Somos assim. Rimos de nós mesmos. Procuramos nossos defeitos e tiramos sarro. Mas dizer que tudo no Brasil vira Carnaval é criticar o que temos de melhor: nossa capacidade de festejar mesmo na crise. Sim, tudo vira Carnaval, porque o Carnaval é um dos maiores tesouros de nossa cultura. Quem já desfilou ou mesmo esteve nas arquibancadas da Marquês de Sapucaí sabe do que estou falando. É lindo, é verdadeiro, é brasileiro, é fonte de renda.
O Rio de Janeiro, pelo que vi em minhas últimas viagens, mudou. Haverá sim um legado das Olimpíadas. O Centro, principalmente a região do Pier Mauá e da ex-perimetral, mudou. Não conheço a área do Parque Olímpico, nem de Deodoro, mas pelas fotos me parece que também melhorou. Temos uma nova linha de Metrô finalmente ligando Zona Sul-Barra e o VLT na região central. Poderíamos ter mais? Sim, cadê o Metrô dando a volta na Lagoa? A despoluição da Guanabara e da Rodrigo de Freitas? Temos de criticar e lutar por estas mudanças, mas também não podemos ignorar as conquistas. Foram enormes diante do histórico da cidade.
Muito poderia ter sido diferente. Muito mais poderia ter sido feito. Menos dinheiro poderia ter sido gasto à toa. Menos desvios poderiam ter ocorrido. Mas este é nosso país. É intrínseco nosso. Não nos dedicamos de cabeça a nada. E aplaudimos a malandragem e a esperteza. Vide nosso momento político atual.
Para termos as Olimpíadas do jeito que dizemos da boca pra fora deveríamos estar mudando nós mesmos já há algum tempo. Deveríamos ter um olhar mais crítico a zilhões de outras coisas de nossa sociedade. Por exemplo, tem gente dizendo que vai morrer de vergonha na abertura de hoje, com medo de dar algo errado ou surgir algo tosco. São as mesmas pessoas que não sentem vergonha das favelas, dos sem teto, dos escravizados. É uma vergonha seletiva, como tudo em nosso país. A desigualdade e os problemas são tantos que viram paisagem e somente nestes grandes eventos surgem defeitos que podemos enxergar. Ao menos é o que acontece com a maioria.
Pouco se investiu verdadeiramente no esporte, pelo que os especialistas falam. Não tenho conhecimento do assunto. Pouco se construiu a longo prazo para incentivar novos atletas, uma opção para escapar da pobreza muito usada mesmo em países de primeiro mundo. Lástima. Mais uma oportunidade perdida. Mas quais empresas estavam dispostas a apoiar este projeto de verdade? Quais já fazem isso? Pelo pouco que conheço, temos estatais investindo em peso no esporte, muitas empresas patrocinando futebol – que é um ótimo negócio – outras patrocinando o vôlei – outro ótimo negócio – mas quais se interessam realmente em atletismo? Tiro? Vela? Temos, mas temos pouco. Porque não parece rentável. São negócios.
Diante de desvios na Petrobrás, Metrô de São Paulo, merenda, caixa 2, alguém acha que o dinheiro das Olimpíadas iria para hospitais, metrôs ou escolas? Claro que não. Com os jogos parte dele foi. Pelo menos isso. Olha para os resultados das eleições, olha para as pesquisas. Olha para nosso Congresso Nacional. As mesmas pessoas que criticam os jogos e a destinação dos recursos votam em políticos totalmente desalinhados com as necessidades do brasileiro. Políticos que enriqueceram, que fazem carreira às custas do Estado, que se misturam com empresas, que se vendem para o estrangeiro, que detonam as riquezas nacionais. Então não me venham com demagogia. A maioria nem lembra em quem votou. Não faz ideia em quem vai votar. Não entende quais grupos sociais cada político defende. Quais interesses verdadeiros.
Grandes cidades do mundo, como Hamburgo e Estocolmo, realizaram referendos e plebiscitos para que a população decidisse se era de interesse abrigar tais eventos esportivos. O povo de lá decidiu que não era. Mas, convenhamos, cidades como essas mal precisam de uma exposição como a que os jogos oferecem. Vejam o que Barcelona se tornou depois de 1992. A ideia com o Rio seria essa. Aproveitar a oportunidade para renascer diante do mundo e, assim, entrar no mapa turístico e de negócios.
Mesmo com nossos problemas, mesmo com nossos defeitos, somos sim capazes de fazer direito. Há décadas realizamos com sucesso o GP de F-1. Tivemos grandes eventos como a ECO92. A Copa do Mundo. A Copa das Confederações. O Panamericano. E a lista não termina.
O problema não são os Jogos. O buraco é mais embaixo.
Somos isso aí. Aceitemos. E entreguemos ao mundo uma bela festa e um belo evento. Como já entregamos a melhor Copa do Mundo de todos os tempos. Palavras dos estrangeiros (porque só estas valem, não é mesmo?).