A idade avança, o progresso também. O velho abre espaço para o novo. Mas Clara, a protagonista de “Aquarius”, entende que um não vive sem o outro. Sabe que sua história está agarrada às paredes do edifício onde mora e não abre mão dela.

Para ela, por mais concretos que sejam os objetos eles também têm um sentido abstrato. Seja um simples LP de John Lennon ou o apartamento inteiro. Depende de quem olha e como enxerga.

Clara é uma mulher que valoriza a memória. Perdeu o marido e criou três filhos dividindo a atenção à família com sua paixão pela música. Sabe das escolhas que fez e não tem medo de enfrentá-las, porque foi a partir de seus caminhos que construiu a própria liberdade. Não sofre com o passado.

Cercada de uma atmosfera retrô, não vê problemas em tocar MP3. Mas sabe o que prefere e não abre mão disso. É social, alegre, engajada. Vai à praia todo dia, ao baile com as amigas, flerta e fica com outros homens. Clara vive cada fase de sua vida, enfrentando tudo que aparece pela frente e se jogando ao carinho e ao afeto. Mas não esquece de visitar o túmulo do marido.

Foi no edifício Aquarius, com sua cômoda antiga, que Clara conviveu com a tia Lúcia. Uma mulher que também peitava o medo para ser livre. Enfrentou a tradição para viver a paixão e o sexo com um homem casado. E não se acuou diante da família, pelo contrário, fazia questão de reuni-la em festas alegres e dançantes.

Clara enfrentou o medo da morte e venceu um câncer de mama. Carrega a cicatriz no peito. Se o homem mais velho é imaturo para entender, não tem problema, ela vai embora de táxi.

No apartamento, Clara reúne tudo aquilo que lhe é importante. Fotos de família, discos, livros, o pôster de Stanley Kubrick. Mas a porta fica aberta, as janelas também. Convidam a brisa, o som da rua e o cheiro do mar. Convidam a família. É lá que ela responde às perguntas da repórter com paixão, que enfrenta os representantes da construtora e onde libera sua libido sem julgamentos. Veja como ela lida com a situação do garoto de programa. Uma mulher que enfrenta para ser livre.

O medo existe. A placa dos tubarões está lá. As ameaças da empresa. Os apartamentos vazios. A filha divorciada mal de grana. O filho gay que não apresenta o namorado. Os sonhos com invasores. A idade, a doença. O medo da morte, tão bem representada na cena do cemitério. Saem as ossadas antigas para abrir espaço ao novo. Mas há situações em que o enfrentamento vale a pena. Porque o novo não necessariamente é melhor.

Veja Diego, o empregado da construtora. Pratica a mesma corrupção e as mesmas ameaças de seu avô, dono da empresa. Os enormes arranha-céus de gosto duvidoso trazem sombra às areias da praia. Elitizam o bairro, que agora é dividido.

Já o sobrinho de Clara, agora indica músicas para a tia mais velha, veja só como o novo também encanta. Mas por que ele não tocou Maria Bethânia para a namoradinha? Medo?

De novo, Clara também não está imune ao medo. Mas ela enfrenta. Acompanhada do seus amigos, ela peita (com uma só mama). Sobe escadas, abre portas, fala na cara. Clara não se rende.

Ela prefere ser a mistura de uma velhinha com criança: um pouco do novo com outro pouco do velho. É uma mulher livre, de opiniões fortes e que não se curva ao peso rígido da sociedade. Nada mais natural que a equipe do longa não se curvasse ao golpe, com aquele protesto em Cannes.

Dizem que guardar algo dentro de si dá câncer. Guardar sonhos, vontades, objetivos, opiniões. Clara não guarda. Hoje ela prefere dar um câncer a outra pessoa do que ela mesma ter um. O enfrentamento pela liberdade. Lição de vida.