Eu adorei. Porque, no fim das contas, o que estávamos vendo era mesmo uma série política, mas ao contrário do que imaginávamos, num paralelo direto aos dias de hoje.

No último episódio, Tyrion esfrega na cara de todos que Daenerys sempre foi uma fascista. Há muitas temporadas já tomava decisões tiranas, mas quando ela matava quem o público odiava, este aplaudia.

Quando a série mostrou a realidade nua e crua, com crianças morrendo em Porto Real, os seguidores da fascista choraram como aqueles que defendem o capitão: “não fala assim do meu mito!”

As elites que ela matou nas temporadas anteriores também tinham filhos. Os fins não justificam os meios. Aula de fascismo.

Vejam, ela sempre usou o discurso da liberdade pra construir uma ditadura. Como todo fascista. Perseguiu quem ela considerava seu inimigo e tudo que queria era o trono. Sempre sob o manto sedutor da beleza, do feminino e do empoderamento (calma!).

Quando conquistou o Leste, foi dito a ela que Daenerys já tinha um império, que já era a rainha adorada pelo povo, mas ela se sentia no direito de sentar no trono de ferro e foi atrás dele. Um direito familiar? Coisa mais conservadora. Mas quando descobre que Jon tem mais direito que ela, Daenerys pede para que ele minta, tenta um acordo político. Quando não consegue, usa suas armas para dizimar seus inimigos. Mesmo os civis. Ela declara que está trabalhando na chave do medo, a chave dos fascistas. Mais didático, impossível. O poder pelo poder.

E, após sua morte, o Dragão destrói o motivo de toda aquela discórdia, o maldito trono de ferro.

Enfim: a série usou de um discurso sedutor para os dias de hoje, nos mostrando essa mulher forte que passou por poucas e boas, essa heroína maravilhosa, para esfregar na nossa cara o quanto o discurso fascista é sedutor. Pra gente entender o que tá acontecendo no mundo. Se ela fosse um homem branco, jamais teríamos sido seduzidos e a aula de nada serviria. Eles precisaram construir alguém com as nossas bandeiras para que nos enrolássemos nelas e ficássemos cegos. Como essa gente que acredita na Lava-Jato e na luta contra a corrupção. Como essa gente que acredita na Nova Política.

E quando tudo ruiu, porque ela quebrou a roda, porque ela destruiu o sistema com o fascismo, os poderosos de sempre se reuniram e eles mesmos escolheram um novo sistema para se perpetuar no poder, agora com o Rei sendo escolhido por um Colégio Eleitoral de lords.

Quando Sam sugere a Democracia, todos gargalham.

Paralelo perfeito com o mundo: sempre que os poderosos percebem que o sistema de exploração vigente está em ruínas, eles abrem mão de uma pequena parte do poder e estabelecem um novo sistema, ainda com eles no comando. São os tempos que vivemos agora.

Enquanto isso, a série nos mostrou toda a trajetória de Bran, a consciência da humanidade, para chegar ao poder e tentar trazer paz. Mortes, guerras, reviravoltas. Tudo calculado e provocado por ele, o Corvo de 3 Olhos: “vc acha que eu vim até aqui pra quê?” Lembre-se: só porque tudo isso de ruim aconteceu que eles conseguiram se livrar daquele culto religioso escroto e conservador. Como o momento em que vivemos hoje: grandes sacrifícios e muito sofrimento são e serão necessários para que a Ordem Mundial se renove.

E Bran deixa a pessoa mais inteligente do Reino para tocar a burocracia: Tyrion se torna uma espécie de primeiro-ministro, servindo de negociador entre os diferentes setores da sociedade, como as finanças, os armamentistas, a ciência etc. No fim, tudo volta pra política.

Arya se revela a grande alma elevada, alheia a tudo isso, já sem se sentir parte desse mundo ainda velho – apenas com as aparências renovadas.

É a exploradora que parte em busca do novo, do desconhecido, sem medo de cair num precipício da Terra Plana. A mulher sem gênero, o símbolo lésbico, a trans, a criança, a adulta. A guerreira. Nada mais importa para ela: nem Reino, nem família, nem poder. Nada nacionalista, tudo que quer é evoluir explorando a vida. Magnífico. Só uma alma assim poderia mesmo ter derrotado o Rei da Noite.

Sansa, a sonsa que se tornou a mais sensata, é a primeira Stark a agir realmente pensando no Norte e consegue a independência de seu reino. Rainha.

Jon volta pra a Patrulha da Noite e explora o além da muralha. “Você é mais nortista que a gente”, já havia dito Tormund. Jon abre a série sonhando com a Patrulha e em seguir os passos do seu tio. Termina praticamente Rei dos selvagens.

E voltando a Cersei: melhor final, impossível. A grande vilã, a grande deliciosamente escrota da série, morreu humilhada, fugindo pelos calabouços, vendo todo o castelo que ela tanto queria desabar sobre ela. Implorando pela vida do filho. E vendo o homem que ela amava ali, na mesma situação, incapaz de salva-la. Não, depois de tudo de ruim que Cersei fez, ela não merecia um duelo, não merecia uma morte teatral. Cersei morreu como um rato fugindo de um naufrágio, como todo vilão merece. No esquecimento.

“Não há nada mais poderoso no mundo que uma boa história.” Assim nascem reis como Bran. Assim heróis entram para os livros de história como Jamie. Assim o mundo para atrás de uma tela de TV como milhões fizeram ontem.

Enfim, você pode não ter gostado do fim dado a um personagem que você amava, pode não ter se sentido nada bem ao descobrir que Daenerys era fascista, pode ter desejos variados de como a série poderia ter caminhado, mas não há como negar que foi espetacular perceber que no fim eles estavam mesmo era fazendo um paralelo com o nosso mundo, não tão diferente da selvageria, do conservadorismo e do retrocesso de Westeros.

No fim, o que vivemos na nossa sociedade é esse Jogo dos Tronos, uma luta insana pelo poder. Com fascistas, inteligentes, sonhadores, guerreiros, cada um puxando para um lado.

Game Of Thrones foi um marco não só para o audiovisual, mas para o momento político pelo qual nossa sociedade passa. Espero que tenham entendido o recado. Espero que tenhamos um final mais parecido com o da Arya.